O TEMPO NA DIREÇÃO DO TRATAMENTO
Alba
Abreu Lima – Brasil
“O passado não reconhece seu lugar:
está sempre presente...”
Mario Quintana
O tempo em que vivemos nunca esteve tão saturado de produtos.
Produtos cada vez mais excedentes e inventados pela força do capitalismo para
condicionar os consumidores a possuir sempre algo novo, sendo esse o modo que
legitimaria a personalização. É chegada a hora da desgraça simbólica a que
Freud¹ se referia em mal estar na civilização: “por mais que se
assemelhe a um deus, o homem hoje não se sente feliz”.
A psicanálise vislumbra o perigo das soluções rápidas e das
respostas insuficientes apenas para responder o fluxo da tendência
tanatológica, e o que é pior, nos quadros das chamadas instituições
psicanalíticas.
O tempo sempre foi analisado como um conceito relacionado à
cultura na sociedade a qual pertencemos. Na mitologia grega, Cronos, deus do
tempo, era personificado na figura de um velho alado, simbolizando sua rapidez;
com uma foice, para representar seu poder destruidor e, alguns artistas,
colocam-lhe ainda uma ampulheta na mão porque os antigos se serviam deste
instrumento como relógio, para a medida do tempo.
Galileu Galilei se preocupou em medir e utilizar o tempo como
uma maneira de compreender a natureza: determinando equações de movimento da
queda dos corpos demonstrou que era possível prever os movimentos conforme o
tempo passava. Posteriormente, Isaac Newton construiu as bases da física
clássica, apresentando o conceito de tempo absoluto, como se fosse um rio que
fluísse sempre para frente e de maneira uniforme – o tempo simplesmente passa.
Mas foi Albert Einstein quem introduziu o conceito de que o tempo e o espaço
não são coisas distintas. Com a teoria da relatividade, definiu que o mesmo
intervalo de tempo pode ser diferente para diferentes observadores: o tempo,
portanto, é relativo para quem o está medido e não existe um tempo universal.
Freud – tão revolucionário quanto Einstein nas fronteiras do
impossível - também inventa sua ‘teoria da relatividade’ quando afirma que a
realidade psíquica não é a realidade factual, mas depende inteiramente do
trilhamento significante deixado pelas marcas do vivido, que esperam um
acontecimento que lhe forneça sentido, retroativamente (Nachträglich).
Ele
não abordou diretamente a noção de
tempo a não ser num sucinto e admirável ensaio de 1915, Sobre a transitoriedade, onde relata a conversa que tivera num
passeio pelos campos italianos na companhia de Rainer-Maria Rilke e da amiga
Lou-Andreas Salomé. Na ocasião, conversavam sobre o caráter transitório da
beleza das coisas e a caducidade dos objetos e finitude da vida. O poeta fala
do desejo de eternidade e Freud responde que é preciso retirar a libido dos
objetos para ligá-la aos substitutos. Freud não compreendia porque alguma coisa
perderia seu valor, única e exclusivamente devido a sua limitação no tempo.
Para Freud, diferentemente de Rilke, a transitoriedade implicaria não em uma
perda, mas em um aumento do valor do objeto em questão, pois a limitação da
possibilidade de uma fruição elevaria o valor dessa fruição. O diálogo ocorreu
no verão antes de deflagrada a primeira guerra, como se Freud houvesse previsto
os acontecimentos que se sucederam. Ele escreve²:
“O valor da transitoriedade é o valor da
escassez no tempo. A limitação da possibilidade de uma fruição eleva o valor
dessa fruição... A beleza da forma e da face humana desaparece para sempre no
decorrer de nossas próprias vidas; sua evanescência, porém, apenas lhes
empresta renovado encanto”.
No entanto, antes disso, em 1899, no texto Lembranças encobridoras³, ele revela que as
marcas mnêmicas podem ser reativadas, independentes do tempo que tenha passado
- são as pegadas da erotização infantil, fundamentos da fantasia - e que persistem
sob uma capa aparentemente insignificante. O que ele nos ensina com esse texto
é que uma cena esconde uma outra que tem raízes fantasísticas, que recobrem o
traumático edipiano.
Na Interpretação dos Sonhos(4), ele aborda um
inconsciente atemporal e no mecanismo de esquecimento dos sonhos demonstra a
possibilidade de intervenção do analista a partir do levantamento do recalque,
produzindo efeitos retroativos de articulação significante.
Passando ao tema da duração do tratamento, Ele atesta em todos os trabalhos sobre a técnica, que na
neurose de transferência, moções pulsionais se repetem com a mesma força da
infância, por conta do desejo indestrutível que não desgasta sua tessitura com
o passar do tempo.
Concluindo seu percurso em Análise terminável e interminável (5)
discute exaustivamente a duração da análise, o que sobra de imutável no sujeito
– algo que estaria fora de tempo - apesar do longo período e da efetividade do
tratamento no esvaziamento de gozo do sintoma e do destino da pulsão.
Sabemos que Lacan, desde o início se interessa pelo tempo
articulando-o à subjetividade. A partir do texto sobre o sofisma de 1945, O tempo Lógico(6) ele modula o tempo de acordo com uma operação
que se desenvolve num tempo que não é cronológico, mas de proposições,
obedecendo a uma lógica de circunstâncias: instante de ver, tempo de
compreender, momento de concluir. Na relação de alteridade, o sujeito adquire
uma certeza antecipada sobre sua identidade em função de uma operação lógica de
afirmação conclusiva. A partir daí, a clínica se aparelha nessa modulação do
tempo para a convocação ao saber na direção do tratamento: o corte, a suspensão
da certeza, a pontuação do discurso interrompem os momentos em que o sujeito
poderia concluir, para levá-lo a um trabalho de elaboração do insabido.
Em Função e Campo da
Fala e da Linguagem (7) Lacan retoma a noção de sujeito que se constitui
pela alteridade, em função do desejo e acrescenta, baseado no texto de 1945, os
efeitos técnicos do tempo.
De início
interroga os casos freudianos e principalmente o prazo fixado para a duração do
tratamento do Homem dos Lobos porque no seu ponto de vista a antecipação do
tempo, só pode ser indefinida e, numa perspectiva dialética, buscar a verdade
do sujeito. Depois, ele introduz a
questão da duração da sessão: “o inconsciente demanda tempo para se revelar...
mas qual é sua medida?”. Introduz aqui sua crítica à sessão de tempo
cronológico, indiferente às tramas do discurso. Ele então, se opunha a uma
concepção psicanalítica extraviada e centrada na teoria do Eu, e acentua que,
qualquer tratamento que ofereça respostas à demanda do sujeito, só reforça o
sintoma do paciente. Simplesmente porque não existem respostas adequadas, já
que o EU é uma miragem, uma ilusão que precisa ser dissipada.
Carmen Lafuente(8), em Heteridade
3: O tempo da psicanálise, recomenda aos psicanalistas que quiserem
conhecer os efeitos da estrutura, que se debrucem no modo como se ordena o
tempo na alíngua do analisante; assim como, na regressão, que refaz o caminho
até o trauma, passando pelos significantes da alienação, para que se possa
produzir uma operação de separação. O que significa dizer que, o tempo de uma
análise depende do manejo da transferência e seus avatares, num percurso que
nada tem de linear.
Ana inicia suas entrevistas, reticente: não sabe se fica com
o analista de muitos anos por já conhecer toda sua história ou se quer começar
“tudo de novo” comigo. Fui indicada pelo colega de trabalho como a que não dá
“significações pessoais no tratamento, não exige que o paciente venha todos os
dias, pague adiantado, ou que a sessão seja uma tortura de 50 minutos”
(palavras dela) diferente de seu analista. Um dia chega no horário, senta e
espera porque supõe que a placa na minha porta indicava para aguardar. Depois
de um tempo, saio e pergunto por que não bateu, já que a placa indicava que
podia bater. Ela cai em prantos, pergunta como posso ficar sozinha. Ao perceber
a incoerência da pergunta diante do meu silêncio, única intervenção possível(!)
diz que é assim na vida: acha-se inconveniente com os filhos adolescentes, com
o marido, com as poucas amigas, no exercício de comando exigido pela profissão.
Afirma que fala as coisas erradas, nos momentos mais impróprios e relata um
problema muito grave que está enfrentando no trabalho... Diz que ultimamente
tem pensado em desistir de viver: “se não fosse o remédio não levantaria da
cama”. Diante de uma pergunta sobre levantar da cama, relaciona que teve
vergonha de falar ao analista de muitos anos com medo de ser “mal interpretada”
sobre um fato que não é falado por ninguém da família, pois é motivo de muita
vergonha para a mãe: ela nasce quando seu pai já não tinha “como levantar da
cama”.
A partir daí relaciona
sua cena infantil e o lugar enigmático que desde sempre respondia ao desejo do
Outro – a nostalgia de ocupar um lugar para um pai imobilizado e uma mãe
atarefada com os outros filhos.
Lacan (9), em Variantes
do tratamento padrão, adverte que o analista quando acredita saber,
convertido em quem detém a experiência, induz a construção de padrões – tendo
como resultado um “tratamento tipo”, excluindo aqueles sujeitos que não
respondem à proposta formalista. Nesse escrito fundamental, ele recoloca o
analista em sua posição ética: “O analista, com efeito, só pode enveredar por
ela (psicanálise do particular) ao reconhecer em seu saber o sintoma de sua
ignorância”. De um inconsciente como lugar estático e de sentido obscuro tomado
pelos pós-freudianos, faz brotar uma concepção dinâmica, de um sujeito
representado pelo significante em movimento a outro significante.
Formatar o tratamento, fazer uma reeducação emocional norteada
na sugestão, sem lugar para o desejo, como Lacan evoca na Direção da Cura(10),
a ponto de fechar a boca e não remeter a paciente ao que resta escondido em
seus ditos, indica um desvio.
Marc Strauss (11) pergunta se a análise poderia ser dividida
em 2 tempos: Um tempo da elaboração fálica com sessões de tempo variável,
onde o sujeito ativa seu cenário, elabora, constrói, testemunha sua historia; Outro
de sessões breves como o modo de alcançar o mais além dos ditos, apontando o
dizer em sua radicalidade, correspondendo ao atravessamento da fantasia.
Conclui que não basta a identificação com Lacan para praticar
a psicanálise de sessões breves: mais importante seria que o analista se
preocupasse em manejar a transferência,
utilizando-se para isso, sessões breves ou de duração variável, respeitando a
singularidade do sujeito.
Na pressa nossa de cada dia, as sessões breves não podem nos
servir de padrão, sob o risco de
voltarmos a uma prática tão inexata quanto à denunciada por Lacan. Desta feita,
introduzindo as sessões curtas para justificar uma condução de tratamento que
nada tem de lógica...
Para concluir, melhor seria seguirmos Gil:
Tempo rei, ó, tempo rei, ó, tempo rei
Transformai as velhas formas do viver
Ensinai-me, ó, pai, o que eu ainda não sei
Mãe
Senhora do Perpétuo, socorrei...
Ou seja, o analista tem de saber esperar o
tempo do sujeito transformar suas velhas fórmulas do viver!
NOTAS BIBLIOGRÁFICAS:
1. FREUD,
Sigmund. O mal-estar na civilização (1932). In: Obras Completas.
Rio de Janeiro: Imago, 1977.
2. FREUD,
Sigmund. Sobre a transitoriedade (1915). In: Obras Completas. Rio
de Janeiro: Imago, 1977.
3. FREUD,
Sigmund. Lembranças encobridoras (1899). In:Obras psicológicas
completas. Rio de Janeiro: Imago, 1977.
4. Freud
S. - A Interpretação dos Sonhos (1900) – IN:Obras Completas de S. Freud
– vols. IV e V – Rio de Janeiro: Imago –1977
5. FREUD,
S. Análise terminável e interminável. ESB, v.XXIII, p. 241-287, v. XXIII. Rio
de Janeiro: Imago, 1969
6. LACAN,
J. (1945) "O tempo lógico e a asserção de uma certeza antecipada", in
Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar: 1998
7. Lacan,
J. (1953). Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise. Em Escrito.
(pp. 238-324). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998
8. Heteridade
número 3: O tempo da psicanálise. Revista da EPFCL. 2004
9. Lacan,
J. (1955/1998) "Variantes do tratamento padrão", in Escritos,
Rio de Janeiro, Jorge Zahar.
10. LACAN,
J A direção do tratamento e os princípios de seu poder (1958) in Escritos,
Rio de Janeiro, Jorge Zahar.
11. Heteridade
3
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