quinta-feira, 29 de novembro de 2012
as muralhas do impossivel
“ENTRE DUAS MURALHAS DO IMPOSSÍVEL”
Alba Abreu Lima
“A vida de todo ser humano oscila entre a ilusão do ideal e o peso do fático, essa chatice que chamamos realidade” (Ernesto Sabato)
“Tal como para a humanidade em geral, também para o indivíduo a vida é difícil de suportar” (Freud, em Futuro de uma ilusão)
O conceito de trauma na psicanálise remete a eventos insólitos que são provocados por agentes do exterior psíquico e aos quais o sujeito é pego de surpresa e não tem a chance de ab-reagir. Todavia, cada sujeito é afetado de modo diferente ao traumatismo psíquico, mesmo no caso de catástrofes ambientais ou provocadas pela violência do humano que ameaçam a integridade do vivente e gera para todos, um sentimento de impotência. Esse sentimento está relacionado com lembranças da sexualidade infantil e que são incompatíveis com a moral social, diz Freud.
O choque traumático do psiquismo é sempre experimentado como uma erupção do real e leva a marca do desamparo psíquico pois atravessa o ‘escudo protetor’ do aparelho psíquico. Freud em “Mais Além do Princípio de Prazer” (1920) insiste sobre o aspecto econômico do traumatismo, argumentando sobre a relação de forças entre a quantidade de excitações provindas do exterior e a energia disponível no aparelho psíquico para elaborar, simbolizar ou assimilar o corpo estranho. Resumindo, seria uma luta entre as forças energéticas do aparelho psíquico e as do exterior, e que ainda estariam submetidas às versões singulares dos fatores constitucionais e vivências infantis.
Em Inibição, sintoma e angústia, Freud distingue medo, angústia e susto, considerando o valor defensivo da angústia como algo que protege o sujeito do susto. O Eu, ao desencadear o sinal de angústia, procura evitar o perigo. O sinal de angústia seria a ‘expectativa angustiante do trauma’ e ao mesmo tempo em que serve para avisar do perigo, mantém a relação com o desejo. A angústia surgiria a princípio no desamparo psíquico, quando o Eu ainda está imaturo, depois diante do perigo da perda do objeto e mais tarde, no medo da castração que, completa Lacan, “é como um fio, perfura todas as etapas do desenvolvimento”.
Com a descoberta das “misteriosas tendências masoquistas do Eu” e tomando como modelo a neurose traumática, Freud acredita que o recalque primário onde estariam guardados os traços mnêmicos do traumatismo precoce seria reconhecido pelo sujeito retroativamente, pela demoníaca compulsão à repetição.
No Esboço de Psicanálise ele admite que o aparelho psíquico tem por tarefa fazer as ligações (Bindung) da libido com as representações, estabelecendo assim uma rede de significações. Se o aparelho psíquico não consegue executar sua tarefa a contento, surge o sinal de angústia frente ao perigo pulsional que o sujeito vivencia como onipotência do Outro.
Lacan acentua o caráter de encontro faltoso com o real, falta de representação, que só se tem acesso através do sonho ou da fantasia. No encontro traumático ocorre um curto-circuito significante e o sujeito busca, desesperadamente, vestir essa falta-de-sentido para tentar assimilar simbolicamente a experiência.
A passagem do trauma à fantasia, da falta de representação ao objeto como causa de desejo é demonstrada por Freud em ‘Bate-se numa criança’. É o complexo de castração inconsciente que modaliza para o sujeito as realizações possíveis do seu desejo através da fantasia, esse pequeno cenário perverso onde uma ação, ou mesmo uma frase, liga o sujeito à sua posição de objeto do Outro. No lugar de Das Ding, o sujeito realiza imaginariamente o gozo na fantasia, numa ambivalência entre fascinação e horror. Fascinação diante da denegação da castração materna e horror pela iminência da perda, da castração. O sujeito brinca de objeto causa de desejo para velar a castração do Outro e ao mesmo tempo tenta não sucumbir à posição masoquista encenada na fantasia.
O traumático choque de linguagem que faz do mamífero homem um sujeito falante e faltante, lhe concede uma única certeza na vida: sua morte. O saber sobre a morte, trabalho a ser depreendido com os significantes, é um jogo onde de qualquer jeito que se jogue, sempre se perde. O sujeito começa a construir respostas ao enigma do desejo do Outro, tentando elaborar um mito, romance familiar, que obture o buraco (trou) irreparável do traumatismo. O recalque originário fixa o trauma (proibindo seu acesso à consciência) e a energia do psiquismo deve ser gasta para sustentar a pressão posterior exercida sobre os derivados do representante psíquico. Quando há uma falha nesse processo defensivo, o sujeito passa a carregar pedras na cabeça de um lado a outro de seu pequeno povoado, tentando construir um barraco, como é o caso de D. Joaquina, atendida no serviço de saúde mental. Na psicose, o sujeito não está representado por um significante mestre e o trabalho do delírio como uma reconstrução do mundo - no caso, um barraco para morar – figura como um tonel das Danaides
Na construção da lógica significante, o pai é responsável pela articulação do desejo à lei e que interdita o gozo materno. Com isso, o acesso à leitura e a escrita permitem ao sujeito manipular com destreza os significantes, mas para cometer tropeços, como Ana copia meu aviso no meu bloco da sala de espera diante de um atraso da sessão: ‘deixe seu recado, se não puder ajudar’ (no aviso: aguardar). Ana, quer me mostrar que aprendeu a escrever e percebo que, capturada pelo simbólico, formula um pedido a mais ancorado no gozo recalcado.
Da fantasia nada se fala, só vergonha e culpa pelo caráter do traço perverso que escapou ao recalque; do sintoma, uma brecha para a interrogação em razão de sua permanente satisfação metafórica que atinge o corpo e por vezes, faz sofrer. Lacan aponta os dois extremos da operação analítica: O recalcado primordial como um significante e o que se edifica por cima para constituir o sintoma, um andaime de significantes. Recalcado e sintoma como homogêneos e redutíveis a funções de significantes. Na outra extremidade, ele coloca a interpretação – idêntica ao desejo. No intervalo, a sexualidade, que se impõe desde muito cedo na rede da constituição subjetiva.
Ernesto procura um analista porque se diz ‘traumatizado pelo destino’. Sua queixa: as mulheres com quem ele viveu sempre lhe deixaram a marca da insatisfação e um sentimento de abandono de si mesmo. Era ‘todo’ para elas, totalmente disponível e no fim do relacionamento, sobrava um desespero intolerável, com crises de angústia. Em todas as análises anteriores os analistas se identificaram ao papel do supereu e contribuíram com a repetição. Desta feita, a análise torna-se possível por uma manobra onde a analista sai da cena imaginária e remete o sujeito à pergunta pela fixação ao objeto materno (renovada por exemplo, com os nomes das parceiras, suas atribuições intelectuais). Portanto, quando as mulheres se tornam sintomas, mal estar, ele busca um modo de se desembaraçar com muita urgência.
Quando um sujeito procura um analista, ele apresenta seu sintoma como algo imposto, enigmático, que pensa ter um laço associativo com um trauma passado em sua constelação familiar. O que ele não sabe é que o movimento mesmo da transferência produz um efeito na inércia do gozo - que lhe servia de resistência ao determinismo histórico - e o impossível de suportar encontra uma nova maneira de lidar com o não sabido. Nesse discurso novo que a psicanálise propõe, o sujeito pode analisar a neurose infantil, reconhecendo as identificações ao Outro materno e sua relação ao desejo na fantasia.
O sintoma não é somente uma mensagem a ser decifrada pois reúne os códigos de acesso aos significantes do recalcado, mas uma maneira eficaz do sujeito organizar seu gozo, pois é efeito de simbólico no real. O real, impossível e que só se pode ter acesso por pedaços, “caroço em volta do que o pensamento enfeita. Mas seu estigma é não se ligar a nada. É pelo menos assim que concebo o real e suas pequenas emergências históricas” (Seminário Sintoma - 16/03/1976).
Os analistas sabem bem o destino a dar ao sintoma na análise para liberar o significante traumático do gozo que, por uma espécie paradoxal de satisfação, faz sofrer. O sintoma, no entanto, é uma verdade particular mesmo estando inscrito na ordem cultural. Mas será que os analistas sabem o que fazer, ou o que dizer do trauma exterior, catástrofes que atingem toda uma população? Teríamos como contribuir para encontrar um destino para o sem sentido traumático, inassimilável que assola nossa época?
Freud estava advertido sobre os vínculos sociais e tinha uma postura política pacifista. Sua obra ultrapassa a clínica quando estende sua teoria aos fenômenos culturais e fantasias humanas inconscientes. Foi um contestador de sua época e afirmava que a civilização protege a espécie humana da extinção pela pulsão de destruição. Hannah Arendt afirma, em Responsabilidade e Julgamento: “ o maior mal perpetrado é o mal cometido por Ninguém, isto é, por um ser humano que se recusa a ser uma pessoa. Dentro da estrutura conceitual dessas considerações, poderíamos dizer que o malfeitor que se recusa a pensar por si mesmo no que está fazendo e que, em retrospectiva, também se recusa a lembrar o que fez, realmente deixou de se constituir como alguém. Permanecendo teimosamente um Ninguém, ele se revela inadequado para o relacionamento com os outros que, bons, maus ou indiferentes, são no mínimo pessoas”.
Lacan encerra o Seminário XI fazendo referência à relação da psicanálise com a ciência e como os traços do objeto a - olhar e voz - aparecem de modo explosivo na mídia; mas aponta o essencial no drama do nazismo: a captura monstruosa dos sujeitos pelo que chama de Deus obscuro, o sacrifício ao desejo do Outro – uma posição perversa que a fantasia tão bem traduz, mas que exclui a intervenção essencial na psicanálise: a metáfora paterna.
Aracaju, 4 de outubro de 2004
albabreulima@hotmail.com
PSICANALISTA - AME da Escola de Psicanalise dos Foruns do Campo Lacaniano. autora do livro: Psicologia Juridica lugar de palavras ausentes
Centro Medico Jardins sala 410
"somos todos sujeitos trágicos"
A ética da escolha e sua dimensão trágica
Alba Abreu Lima
O que a psicanálise tem a aprender com a tragédia?
A tragédia empresta seu cenário às muitas disciplinas das ciências humanas, constituindo-se como campo de produção teórica a partir da análise dos significados e especulações sobre a história da família e da condição humana, mesmo tendo perdido sua intensidade cênica.
Freud, em sua clínica, investiga a condição de assujeitamento do analisante ao desejo inconsciente e faz em sua obra, inúmeras referências às tragédias.
Lacan, no Seminário VII, indica a tragédia como paradigma do desejo humano como desejo do Outro e a dimensão ética da escolha do sujeito: “agiste conforme o desejo que te habita?”.
Trágico e história da tragédia
A tragédia emergiu numa condição política, social, cultural e religiosa específica no século V a.C. e manteve sua presença até o declínio da antiga cultura greco-romana. A Poética de Aristóteles, primeiro teórico da tragédia, aponta os dois conceitos que definem o gênero: a mimese, imitação da palavra e do gesto, despertando no público piedade e temor; e a catarse, efeito que proporciona o alívio dos sentimentos. Para ele, a tragédia é uma forma de um ensino ético porque põe em cena a fragilidade humana frente ao acaso.
Durante o período medieval, o gênero desapareceu e alguns teóricos atribuem à falta de subjetividade na cultura européia de onde resultariam a tensão e o paradoxo, elementos decisivos na tragédia. {no entanto, existe uma discussão acerca dessa falta de subjetividade na idade média, se a arte profana era proibida, a própria igreja se apossou do teatro em seus autos de fé. Podemos dizer então que não tinha poder}.
A decisão trágica se dá sempre entre os desígnios dos deuses e os projetos ou paixões dos homens. Exprime o debate entre o passado mitológico e o presente da polis. Nesse sentido, nem mesmo poderíamos considerar trágica a saga de Jesus Cristo, diz Gumbrecht em seu ensaio “Os lugares da tragédia”, pelo motivo, justo, que ele apresenta em sua morte: redimir a humanidade do pecado original.
Na Renascença, surge, apesar da objetividade do mundo cristão, uma cultura que garante o lugar do homem e sua subjetividade. Hamlet, ícone do homem moderno, apresenta a tragédia do desejo, ao colocar o homem no centro do mundo: ”Que obra prima é o homem! Como é nobre em sua razão! Como é infinito em faculdades! Em forma e movimentos, como é expressivo e maravilhoso! Nas ações, como se parece com um anjo! Na inteligência, como se parece com um deus!”.
No Século de Ouro espanhol, a tragédia foi cultivada por grandes figuras da literatura, como Pedro Calderón de la Barca, que escreveu “A Vida é Sonho” considerada a obra-prima do teatro espanhol do século XVII, exemplo por excelência do teatro barroco, tomando por núcleo temático a fugacidade e o ilusório da vida, ligando-o ao problema do livre arbítrio e dos bens transitórios na existência humana. É considerada a versão cristã do Édipo, no sentido em que o herói trágico é portador de um destino adverso destrutivo aos outros e a si mesmo, que o faz desaparecer para que não se cumpra o vaticínio. No caso do Édipo, o oráculo se cumpre, no segundo, o herói vence o destino pela via da mulher que representa o amor e a compreensão de que a vida é transitória como um sonho. Na obra, o incesto é substituído pela morte da mãe, causada pelo herói no nascimento, o assassinato do pai é substituído por uma insurreição militar e a profecia se dá por meio de duas fontes: o sonho da rainha e o saber astrológico do rei.
A tragédia francesa do século XVII recuperou os modelos gregos e alcançou grande profundidade psicológica com as obras de Corneille e Racine. No norte da Europa no século XIX, Ibsen, Strindberg e Tchekhov, escreveram peças em prosa e os temas mais adaptados às inquietações contemporâneas.
O termo trágico adquire depois disso, um sentido generalizado, fora de sua ligação a uma forma literária, para designar a condição humana. Peter Szondi, em seu “Ensaio sobre o trágico”, diferencia a criação poética da tragédia e a filosofia do trágico, que surge com Schelling, Hölderlin e Hegel, que se ocuparam da cultura grega. Ele diz: “Sendo um ensinamento acerca da criação poética, o escrito de Aristóteles pretende determinar os elementos da arte trágica; seu objeto é a tragédia e não a idéia de tragédia”. É o fator dialético o denominador comum que perpassa todas as definições do trágico. Em todas as tragédias o que está presente é a construção dialética da autodivisão, da transformação de algo em seu oposto, a contradição e o conflito do sujeito, do vencedor e vencido.
Literatura e psicanálise
Aproximar a psicanálise da literatura é o que faz Ricardo Piglia em seu ensaio "Somos todos sujeitos trágicos" (in Formas Breves, 1999). Ele propõe a psicanálise como uma das formas mais atrativas da cultura contemporânea porque revela uma épica da subjetividade numa versão violenta e obscura do passado pessoal. O atrativo seria baseado na aspiração a uma vida intensa porque no âmago do nosso ser, é o que Freud revela, experimentamos um grande drama - desejo de sacrificar nossos pais, como Hamlet ou filho abandonado de reis, como Segismundo - um lugar onde somos sujeitos extraordinários.
Na literatura, a tragédia estabelece sempre uma tensão entre o herói e a palavra enigmática dos deuses. A questão sobre O que o Outro quer de mim? Seria equivalente na tragédia à: O que meu Deus me reserva como destino?
Dizer que o sujeito é trágico não é dizer que tudo está determinado desde antes, mas a rota que ele escolhe para se salvar da ruína pode se tornar seu aniquilamento. O herói grego realiza seu desejo como desejo do Outro e aceita a responsabilidade de avançar até a queda final. A escolha o conduz até às últimas conseqüências: a imolação do herói é necessária para a preservação dos valores da comunidade.
Na lógica da psicanálise, desejar é buscar o que se perdeu na operação da castração, o que quer dizer que quando se escolhe a alienação significante, a história geracional, perde-se uma parte do seu próprio ser que é irrecuperável. É o modo como o sujeito entra na tragédia por optar pela cadeia significante, passa a ser mortal. No drama da passagem para a existência simbólica não há nada senão vida conjugada com morte: essa a dialética freudiana. A separação do objeto materno é vivida como uma morte, desamparo.
Freud construiu, a partir das tragédias de Sófocles e Shakeaspeare, metáforas clínicas da existência humana e embora heróicas, é como homem comum que ele as efetiva, diz Lacan. Cada romance familiar carrega o enredo de uma trama onde o sujeito simboliza seu encontro com o real. O vazio central tem nome de castração e as modalidades subjetivas são as escolhas que o sujeito faz no confronto com a falta. Com sorte, o sintoma aparece como uma invenção metaforizada para fazer borda ao vazio e permitir ao sujeito um ordenamento do desejo contido na fantasia.
O romance familiar na tragédia revela ao final que o personagem familiar era, desde o início o inimigo. Esse desconhecido buscado pelo herói trágico se origina naquilo que Freud chamou de O estranho. Isso significa dizer que o ‘inimigo’ que ele tanto procura está no interior dele mesmo, nas palavras de édipo: “Ah! Citéron! Porque não me mataste? Assim eu não teria mostrado aos homens todos, quem eu sou!”. Nada mais trágico para o sujeito desvelar que o mais terrificante provém de sua própria profundeza. O Rei Édipo procura os assassinos de Laio temendo que eles se tornem seus próprios assassinos e encontra a si mesmo.
Aquilo que Freud descreveu como recalque é o que faz de Édipo um herói tanto psicanalítico como trágico, diz Rosset, em “A lógica do pior”, porque ele interroga uma exterioridade acerca de um tema que não concerne senão à interioridade. Ele afirma:
“O mecanismo do recalcamento tem esse efeito de reunir o estranho e o familiar. É a noção moderna para designar o mecanismo dos trágicos gregos, exclusivo de toda força exterior ao homem – tal como a idéia de destino – afirmador de uma força interior e silenciosa, capaz de todos os terrores e todas as alegrias acessíveis àquele que dela está investido”.
De tudo que está próximo do homem, nada é tão terrível como o recalcado desconhecido que se agita dentro dele. A psicanálise interroga sobre esse mecanismo que está excluído da consciência, mas que dispõe de energia para se manifestar inesperadamente e por isso, aterroriza. Querer saber sobre o enigma do desejo, essa é a proposição que move Édipo e os sujeitos em análise.
Clínica – a ética trágica
Na neurose trata-se de uma construção singular do muro contra o gozo que o analista tem acesso aos pedaços, verificando os caminhos da formação dos sintomas e os materiais aos quais o sujeito recorreu para encontrar o prazer em sua fantasia. Verificamos freqüentemente na clínica que o sujeito tem os meios de sair da repetição e não consegue pela necessidade de castigo.
E como acontece na psicose, onde o sujeito não tem como recorrer ao Coro - "Melhor seria não haver nascido..." - que limita o campo da existência humana? Ou Segismundo, em A vida é sonho: “que delito cometi contra você nascendo; ainda que se nasci, já entendo o delito que cometi: bastante causa teve vossa justiça e vigor, pois o delito maior do homem é haver nascido”.
Podemos afirmar que o sujeito fragmentado da tragédia é o neurótico, porém fatalista seria o psicótico, pois de sua posição de objeto não cabem as dúvidas neuróticas: dormir, sonhar ou morrer? O fatalismo indica numa crença no destino: o futuro de todo ser humano está predestinado e é imutável, fixado, sem possibilidade de alteração. Como Lucas, condenado em seu destino: aos três anos perdeu a personalidade e não há uma mudança possível. Submerge na relação com o Outro e sua perda acarreta a invenção delirante em lugar da dialética.
O neurótico tem a escolha ética de alienação na cadeia significante, de perda do objeto e conseqüentemente a sentença de morte que paira sob sua cabeça e, após a análise, pode decidir abandonar seu posto de herói, aquele da dimensão trágica da vida, para simplesmente ser feliz no acaso, ainda não domesticado.
BIBLIOGRAFIA
Aristóteles - Poética in Os pensadores. SP: Nova Cultural, 2000.
Calderón de la Barca, P – La vida es sueño.Buenos Aires: Longseller, 2004.
Celso Pereira de Almeida. RJ: Companhia das Letras, 1998.
Freud, Sigmund - Obras Completas. RJ: Imago, 1977.
Guyomard, P. - O gozo do trágico. Trad Vera Ribeiro. RJ: Zahar, 1996.
Julien, P - O estranho gozo do próximo. Trad. Vera Ribeiro. RJ: Zahar, 1996.
Juranville, A - Lacan e a filosofia. Trad. Vera Ribeiro. RJ: Zahar, 1987.
Lacan, Jacques - Seminário 2: O eu na teoria de Freud e na técnica da psicanálise. RJ:Zahar,
__________Seminário 7: A ética da psicanálise. RJ: Zahar, 1988.
__________Seminário 11: Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. RJ: Zahar, 1979.
Nietzsche, F - O nascimento da tragédia in Coleção Os pensadores. SP: Nova cultural, 2000.
Rinaldi, D - A ética da diferença. RJ: Zahar, 1996.
Rosenfild, K H - Org. De Filosofia e Literatura: o trágico. RJ: Zahar, 2001.
Rosset, C - Lógica do pior. Trad. FJF Ribeiro e Ivana Bentes. RJ: Espaço tempo, 1989.
PSICANALISTA - AME da Escola de Psicanalise dos Foruns do Campo Lacaniano. autora do livro: Psicologia Juridica lugar de palavras ausentes
Centro Medico Jardins sala 410
sábado, 24 de novembro de 2012
O TEMPO NA DIREÇÃO DO TRATAMENTO
Alba
Abreu Lima – Brasil
“O passado não reconhece seu lugar:
está sempre presente...”
Mario Quintana
O tempo em que vivemos nunca esteve tão saturado de produtos.
Produtos cada vez mais excedentes e inventados pela força do capitalismo para
condicionar os consumidores a possuir sempre algo novo, sendo esse o modo que
legitimaria a personalização. É chegada a hora da desgraça simbólica a que
Freud¹ se referia em mal estar na civilização: “por mais que se
assemelhe a um deus, o homem hoje não se sente feliz”.
A psicanálise vislumbra o perigo das soluções rápidas e das
respostas insuficientes apenas para responder o fluxo da tendência
tanatológica, e o que é pior, nos quadros das chamadas instituições
psicanalíticas.
O tempo sempre foi analisado como um conceito relacionado à
cultura na sociedade a qual pertencemos. Na mitologia grega, Cronos, deus do
tempo, era personificado na figura de um velho alado, simbolizando sua rapidez;
com uma foice, para representar seu poder destruidor e, alguns artistas,
colocam-lhe ainda uma ampulheta na mão porque os antigos se serviam deste
instrumento como relógio, para a medida do tempo.
Galileu Galilei se preocupou em medir e utilizar o tempo como
uma maneira de compreender a natureza: determinando equações de movimento da
queda dos corpos demonstrou que era possível prever os movimentos conforme o
tempo passava. Posteriormente, Isaac Newton construiu as bases da física
clássica, apresentando o conceito de tempo absoluto, como se fosse um rio que
fluísse sempre para frente e de maneira uniforme – o tempo simplesmente passa.
Mas foi Albert Einstein quem introduziu o conceito de que o tempo e o espaço
não são coisas distintas. Com a teoria da relatividade, definiu que o mesmo
intervalo de tempo pode ser diferente para diferentes observadores: o tempo,
portanto, é relativo para quem o está medido e não existe um tempo universal.
Freud – tão revolucionário quanto Einstein nas fronteiras do
impossível - também inventa sua ‘teoria da relatividade’ quando afirma que a
realidade psíquica não é a realidade factual, mas depende inteiramente do
trilhamento significante deixado pelas marcas do vivido, que esperam um
acontecimento que lhe forneça sentido, retroativamente (Nachträglich).
Ele
não abordou diretamente a noção de
tempo a não ser num sucinto e admirável ensaio de 1915, Sobre a transitoriedade, onde relata a conversa que tivera num
passeio pelos campos italianos na companhia de Rainer-Maria Rilke e da amiga
Lou-Andreas Salomé. Na ocasião, conversavam sobre o caráter transitório da
beleza das coisas e a caducidade dos objetos e finitude da vida. O poeta fala
do desejo de eternidade e Freud responde que é preciso retirar a libido dos
objetos para ligá-la aos substitutos. Freud não compreendia porque alguma coisa
perderia seu valor, única e exclusivamente devido a sua limitação no tempo.
Para Freud, diferentemente de Rilke, a transitoriedade implicaria não em uma
perda, mas em um aumento do valor do objeto em questão, pois a limitação da
possibilidade de uma fruição elevaria o valor dessa fruição. O diálogo ocorreu
no verão antes de deflagrada a primeira guerra, como se Freud houvesse previsto
os acontecimentos que se sucederam. Ele escreve²:
“O valor da transitoriedade é o valor da
escassez no tempo. A limitação da possibilidade de uma fruição eleva o valor
dessa fruição... A beleza da forma e da face humana desaparece para sempre no
decorrer de nossas próprias vidas; sua evanescência, porém, apenas lhes
empresta renovado encanto”.
No entanto, antes disso, em 1899, no texto Lembranças encobridoras³, ele revela que as
marcas mnêmicas podem ser reativadas, independentes do tempo que tenha passado
- são as pegadas da erotização infantil, fundamentos da fantasia - e que persistem
sob uma capa aparentemente insignificante. O que ele nos ensina com esse texto
é que uma cena esconde uma outra que tem raízes fantasísticas, que recobrem o
traumático edipiano.
Na Interpretação dos Sonhos(4), ele aborda um
inconsciente atemporal e no mecanismo de esquecimento dos sonhos demonstra a
possibilidade de intervenção do analista a partir do levantamento do recalque,
produzindo efeitos retroativos de articulação significante.
Passando ao tema da duração do tratamento, Ele atesta em todos os trabalhos sobre a técnica, que na
neurose de transferência, moções pulsionais se repetem com a mesma força da
infância, por conta do desejo indestrutível que não desgasta sua tessitura com
o passar do tempo.
Concluindo seu percurso em Análise terminável e interminável (5)
discute exaustivamente a duração da análise, o que sobra de imutável no sujeito
– algo que estaria fora de tempo - apesar do longo período e da efetividade do
tratamento no esvaziamento de gozo do sintoma e do destino da pulsão.
Sabemos que Lacan, desde o início se interessa pelo tempo
articulando-o à subjetividade. A partir do texto sobre o sofisma de 1945, O tempo Lógico(6) ele modula o tempo de acordo com uma operação
que se desenvolve num tempo que não é cronológico, mas de proposições,
obedecendo a uma lógica de circunstâncias: instante de ver, tempo de
compreender, momento de concluir. Na relação de alteridade, o sujeito adquire
uma certeza antecipada sobre sua identidade em função de uma operação lógica de
afirmação conclusiva. A partir daí, a clínica se aparelha nessa modulação do
tempo para a convocação ao saber na direção do tratamento: o corte, a suspensão
da certeza, a pontuação do discurso interrompem os momentos em que o sujeito
poderia concluir, para levá-lo a um trabalho de elaboração do insabido.
Em Função e Campo da
Fala e da Linguagem (7) Lacan retoma a noção de sujeito que se constitui
pela alteridade, em função do desejo e acrescenta, baseado no texto de 1945, os
efeitos técnicos do tempo.
De início
interroga os casos freudianos e principalmente o prazo fixado para a duração do
tratamento do Homem dos Lobos porque no seu ponto de vista a antecipação do
tempo, só pode ser indefinida e, numa perspectiva dialética, buscar a verdade
do sujeito. Depois, ele introduz a
questão da duração da sessão: “o inconsciente demanda tempo para se revelar...
mas qual é sua medida?”. Introduz aqui sua crítica à sessão de tempo
cronológico, indiferente às tramas do discurso. Ele então, se opunha a uma
concepção psicanalítica extraviada e centrada na teoria do Eu, e acentua que,
qualquer tratamento que ofereça respostas à demanda do sujeito, só reforça o
sintoma do paciente. Simplesmente porque não existem respostas adequadas, já
que o EU é uma miragem, uma ilusão que precisa ser dissipada.
Carmen Lafuente(8), em Heteridade
3: O tempo da psicanálise, recomenda aos psicanalistas que quiserem
conhecer os efeitos da estrutura, que se debrucem no modo como se ordena o
tempo na alíngua do analisante; assim como, na regressão, que refaz o caminho
até o trauma, passando pelos significantes da alienação, para que se possa
produzir uma operação de separação. O que significa dizer que, o tempo de uma
análise depende do manejo da transferência e seus avatares, num percurso que
nada tem de linear.
Ana inicia suas entrevistas, reticente: não sabe se fica com
o analista de muitos anos por já conhecer toda sua história ou se quer começar
“tudo de novo” comigo. Fui indicada pelo colega de trabalho como a que não dá
“significações pessoais no tratamento, não exige que o paciente venha todos os
dias, pague adiantado, ou que a sessão seja uma tortura de 50 minutos”
(palavras dela) diferente de seu analista. Um dia chega no horário, senta e
espera porque supõe que a placa na minha porta indicava para aguardar. Depois
de um tempo, saio e pergunto por que não bateu, já que a placa indicava que
podia bater. Ela cai em prantos, pergunta como posso ficar sozinha. Ao perceber
a incoerência da pergunta diante do meu silêncio, única intervenção possível(!)
diz que é assim na vida: acha-se inconveniente com os filhos adolescentes, com
o marido, com as poucas amigas, no exercício de comando exigido pela profissão.
Afirma que fala as coisas erradas, nos momentos mais impróprios e relata um
problema muito grave que está enfrentando no trabalho... Diz que ultimamente
tem pensado em desistir de viver: “se não fosse o remédio não levantaria da
cama”. Diante de uma pergunta sobre levantar da cama, relaciona que teve
vergonha de falar ao analista de muitos anos com medo de ser “mal interpretada”
sobre um fato que não é falado por ninguém da família, pois é motivo de muita
vergonha para a mãe: ela nasce quando seu pai já não tinha “como levantar da
cama”.
A partir daí relaciona
sua cena infantil e o lugar enigmático que desde sempre respondia ao desejo do
Outro – a nostalgia de ocupar um lugar para um pai imobilizado e uma mãe
atarefada com os outros filhos.
Lacan (9), em Variantes
do tratamento padrão, adverte que o analista quando acredita saber,
convertido em quem detém a experiência, induz a construção de padrões – tendo
como resultado um “tratamento tipo”, excluindo aqueles sujeitos que não
respondem à proposta formalista. Nesse escrito fundamental, ele recoloca o
analista em sua posição ética: “O analista, com efeito, só pode enveredar por
ela (psicanálise do particular) ao reconhecer em seu saber o sintoma de sua
ignorância”. De um inconsciente como lugar estático e de sentido obscuro tomado
pelos pós-freudianos, faz brotar uma concepção dinâmica, de um sujeito
representado pelo significante em movimento a outro significante.
Formatar o tratamento, fazer uma reeducação emocional norteada
na sugestão, sem lugar para o desejo, como Lacan evoca na Direção da Cura(10),
a ponto de fechar a boca e não remeter a paciente ao que resta escondido em
seus ditos, indica um desvio.
Marc Strauss (11) pergunta se a análise poderia ser dividida
em 2 tempos: Um tempo da elaboração fálica com sessões de tempo variável,
onde o sujeito ativa seu cenário, elabora, constrói, testemunha sua historia; Outro
de sessões breves como o modo de alcançar o mais além dos ditos, apontando o
dizer em sua radicalidade, correspondendo ao atravessamento da fantasia.
Conclui que não basta a identificação com Lacan para praticar
a psicanálise de sessões breves: mais importante seria que o analista se
preocupasse em manejar a transferência,
utilizando-se para isso, sessões breves ou de duração variável, respeitando a
singularidade do sujeito.
Na pressa nossa de cada dia, as sessões breves não podem nos
servir de padrão, sob o risco de
voltarmos a uma prática tão inexata quanto à denunciada por Lacan. Desta feita,
introduzindo as sessões curtas para justificar uma condução de tratamento que
nada tem de lógica...
Para concluir, melhor seria seguirmos Gil:
Tempo rei, ó, tempo rei, ó, tempo rei
Transformai as velhas formas do viver
Ensinai-me, ó, pai, o que eu ainda não sei
Mãe
Senhora do Perpétuo, socorrei...
Ou seja, o analista tem de saber esperar o
tempo do sujeito transformar suas velhas fórmulas do viver!
NOTAS BIBLIOGRÁFICAS:
1. FREUD,
Sigmund. O mal-estar na civilização (1932). In: Obras Completas.
Rio de Janeiro: Imago, 1977.
2. FREUD,
Sigmund. Sobre a transitoriedade (1915). In: Obras Completas. Rio
de Janeiro: Imago, 1977.
3. FREUD,
Sigmund. Lembranças encobridoras (1899). In:Obras psicológicas
completas. Rio de Janeiro: Imago, 1977.
4. Freud
S. - A Interpretação dos Sonhos (1900) – IN:Obras Completas de S. Freud
– vols. IV e V – Rio de Janeiro: Imago –1977
5. FREUD,
S. Análise terminável e interminável. ESB, v.XXIII, p. 241-287, v. XXIII. Rio
de Janeiro: Imago, 1969
6. LACAN,
J. (1945) "O tempo lógico e a asserção de uma certeza antecipada", in
Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar: 1998
7. Lacan,
J. (1953). Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise. Em Escrito.
(pp. 238-324). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998
8. Heteridade
número 3: O tempo da psicanálise. Revista da EPFCL. 2004
9. Lacan,
J. (1955/1998) "Variantes do tratamento padrão", in Escritos,
Rio de Janeiro, Jorge Zahar.
10. LACAN,
J A direção do tratamento e os princípios de seu poder (1958) in Escritos,
Rio de Janeiro, Jorge Zahar.
11. Heteridade
3
PSICANALISTA - AME da Escola de Psicanalise dos Foruns do Campo Lacaniano. autora do livro: Psicologia Juridica lugar de palavras ausentes
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o psicanalista é um viajante
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colegas tão queridos pelo mundo
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“O mal é bom e o bem cruel”
Identidade e sujeito diante do capitalismo tardio
O bem e o mal
A maneira mais simples para introduzir o tema
do bem e mal na sociedade contemporânea seria retomar a descoberta de Freud da
pulsão de morte, essa pulsão agressiva que abrigamos dentro de nós. Essa pulsão
que coloca obstáculos ao vínculo social promovido pela cultura, visto que o
laço social se funda a partir de outra pulsão que é conduzida pelo amor: o
EROS.
Portanto, a explicação para as
atitudes humanas seria muito simples: o EROS une, enquanto TANATUS separa.
Porém, Freud percebe que as coisas são muito
mais complicadas na civilização devido aos conflitos entre as necessidades do sujeito
e as do grupo social.
Resultado: não é tão simples
distinguir o BEL e o MAL, porque depende do ponto de vista que vamos tomar. Por
exemplo, se tomamos o ponto de vista do sujeito: satisfazer suas tendências
agressivas não seria forçosamente um mal, pelo contrário, pode ser até um bem, dependendo
da situação ao qual esteja implicado.
Então, onde está o bem e onde está o mal?
Na pena
de Caetano, “O mal é bom e o bem cruel” (Tigresa).
Ou em Bem ou Mal – NX zero:
E
pouco tempo pode ser demais pra quem sabe o que quer
Pra quem respeita a vida e a si mesmo
O tempo muda sempre cada vez mais
E dentro de você existe o bem e o mal
e a escolha certa
Pra quem respeita a vida e a si mesmo
O tempo muda sempre cada vez mais
E dentro de você existe o bem e o mal
e a escolha certa
Poderíamos dizer na psicanálise que o
mal é a emanação da pulsão de morte que empuxa o EU a se estropiar.
Desse modo, o verdadeiro mal seria o mal dirigido a si próprio e não aos
demais. Seria uma filosofia sadiana, contrária a da caridade cristã, na qual o
mal é unicamente aquele dirigido ao próximo.
Deduzimos que é a influência alheia
(do Outro) que permite ao sujeito distinguir o bem do mal: o medo de perder o
amor do outro, de quem se depende no desamparo.
O humano nasce desprotegido dos perigos e
precisa dos cuidados do outro para sobreviver e esse Outro, vigilante, mas que
pode ser caprichoso (vejam o exemplo do monstro austríaco Josef Fritzl,
pai incestuoso que durante 24 anos abusou sordidamente da filha e dos netos).
Portanto, o mal na definição
freudiana seria, a princípio, aquilo pelo qual alguém é ameaçado da perda de
amor. Numa criança pequena não existe outro tipo de situação. Por isso uma
criança pode fazer o mal a si e aos outros, diante da angústia da perda do amor
e proteção (o filme Slumdog milllionaire mostra muito bem isso, assim como
nossas crianças da rua).
No entanto, mesmo com a internalização
da lei e da consciência moral, ainda restam pedaços dessa pulsão agressiva – traduzimos em Freud como a ferocidade do
supereu contra o eu, como podemos verificar tão detalhadamente nos casos de
melancolia e psicose.
O paradoxo é que: quanto mais o EU se
submete ao mandamento do SUPEREU, mais feroz se faz o SUPEREU. O supereu nunca
fica saciado, é guloso e caprichoso! Ou seja, quanto mais repressora é uma
educação ou cultura, mais provoca o “lobo” que existe dentro do homem a se
manifestar.
O sujeito e os efeitos do capitalismo tardio
No filme A QUESTÃO HUMANA, temos
um exemplo de um psicólogo que atende às novas demandas do capitalismo tardio e
das dinâmicas empresariais: controla o lado humano dos empregados, regulando-os
de acordo com os imperativos da corporação – seja promovendo motivações e
auto-estima, seja selecionando quem deve ser contratado ou demitido.
A Questão Humana faz um paralelo entre o processo de
exclusão e segregação dos empresários capitalistas e do nazismo, onde a função
do psicólogo era a de um funcionário exemplar cumprindo ordens, tal qual
Eichmann: tudo era feito com técnica, zelo e eficiência, sem o sentimento de
bem ou mal.
Qual o papel do psicólogo diante das exigências do mercado capitalista
com o trabalhador? É preciso distinguir as fronteiras do impossível que é
cobrado ao humano para denunciar a gulodice do supereu!
Atravessamos vários impasses na cultura atual, que exige que tudo seja
visto, dito, contabilizado, principalmente graças aos avanços científicos que
tem êxito em circunscrever cada vez mais o real (biológico do corpo humano). Ou
seja, diante da realidade atual em que temos aparatos para as comunicações,
para filmar, fotografar, recursos para desvendar o DNA, poderíamos ter a
sensação de que estaríamos mais seguros, não?
No entanto, o efeito é inverso: os aparelhos que serviriam para nos
garantir e proteger, também são utilizados para o gozo e para desencadear o
pior do humano. Vide a moda de filmar e compartilhar na net espancamentos,
abusos sexuais, porcarias que escapam a qualquer controle e legislação.
Alguns cientistas sociais dizem que voltamos à idade média, outros que
ressuscitamos o horror nazista e seu sonho de depurar a raça chegando a um
biótipo ideal por meio do extermínio e se apoderando dos corpos para os
experimentos científicos. Tratava-se de submeter o real humano à pureza do
significante simbólico: sacrifício total! É só observar o efeito produzido pela
gestão científica da realidade humana, uma orientação biopolítica que manda
tudo ser sacrificado em prol de um estilo: cirurgias plásticas, anorexia,
body-art...
Uma concepção de corpo que corresponda ao ideal uniformizante de nossa
época – início do séc XXI - será lembrada no futuro como o momento onde o culto
ao corpo se tornou obsessão, anorexia um estilo de vida; ao tempo em que a insatisfação
e a depressão alcançam índices alarmantes denunciando a contradição entre o que
é demandado e o que verdadeiramente satisfaz.
A imitação das celebridades tornou-se um valor a ser alcançado,
principalmente no nosso país, onde temos os melhores cirurgiões plásticos do
mundo!
Ideais e sujeito do desejo.
O conceito do estádio
do espelho foi desenvolvido por Lacan a partir da experiência de Henry
Wallon que, em 1931, descreveu como a criança vai aos poucos diferenciando
seu corpo da imagem que observa no espelho. Segundo Wallon, isto se daria em
face de uma compreensão simbólica, por parte do sujeito, do espaço imaginário
em que constitui sua unidade corporal.
Em 1936, em uma Conferência na Sociedade
Psicanalítica de Paris, Lacan utiliza o experimento de Wallon e sua
terminologia, para desenvolver seu conceito do Estádio do Espelho como formador
da função do EU, onde vai abordar esse momento estrutural do ser humano, que
ocorreria entre os seis e os dezoito meses de vida, quando ele se reconhece na
imagem de um outro no “espelho”. A identificação com essa imagem vai lhe
proporcionar uma ilusão gestaltica de completude, antagônica à vivência de
despedaçamento. No estágio de formação do eu, a realidade, que se
apresenta para o sujeito, é caótica e indefinível e precisa do simbólico para
nomeação dos objetos, fornecer estrutura a esta percepção da realidade. Aqui
todo o peso da função materna como alteridade, pois o modo como o sujeito vai
se posicionar estruturalmente em relação à realidade vai depender da atenção às
suas necessidades e a mediação do simbólico, representado no Outro que lhe
fornece o código de linguagem. Tudo isso pode ser identificado nas lembranças
do corpo fragmentado em nossa clínica do dia-a-dia:
·
Nos sonhos em forma
de membros desunidos, retratados nos quadros de Bosch – quando a análise toca
certo nível de desintegração agressiva;
·
Na histeria, sob a
forma de espasmos;
·
Na esquizofrenia,
nos sintomas de desmembramento corporal;
·
Na neurose
obsessiva, nos mecanismos de isolamento, inversão a partir da fortificação do
plano mental brotada dos sintomas.
Conclusão
Conclusão
Como vimos, a alienação originária e
constitutiva do sujeito o leva a oferecer-se como instrumento de um Outro, na
esperança de escapar dos sofrimentos e por medo de perder o amor e proteção.
Essa é a disposição estrutural do ser humano e pensamos que, apesar da
sociedade se estruturar de modo que seus membros se identificam a certos
modelos, ideais a serem atingidos, urge uma reflexão: como acomodar diferenças
e singularidades diante da exigência do capitalismo que reforça o fetichismo
dos objetos de consumo?
Aracaju, 28 de abril de 2009 X semana de psicologia da UNIT: O bem e o mal na sociedade
contemporânea
PSICANALISTA - AME da Escola de Psicanalise dos Foruns do Campo Lacaniano. autora do livro: Psicologia Juridica lugar de palavras ausentes
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sexta-feira, 23 de novembro de 2012
PRA QUE RIMAR AMOR E DOR
PRA QUE RIMAR AMOR E DOR
Capítulo VI
O laço conjugal: pra que
rimar amor e dor*
“Eu vou lhe dar a decisão
botei na balança e você não pesou
botei na peneira e você não passou
mora na filosofia
pra que rimar amor e dor
se seu corpo ficasse marcado
por lábios ou mão carinhosas
eu saberia, ora vai mulher...
a quantos você pertencia
não vou me preocupar em ver
teu caso não é de ver pra crer
tá na cara ”
botei na balança e você não pesou
botei na peneira e você não passou
mora na filosofia
pra que rimar amor e dor
se seu corpo ficasse marcado
por lábios ou mão carinhosas
eu saberia, ora vai mulher...
a quantos você pertencia
não vou me preocupar em ver
teu caso não é de ver pra crer
tá na cara ”
(Mora na filosofia de Monsueto e A. Pessoa)
O amor tem sido objeto de prosa e verso
na literatura e em inúmeros artigos psicanalíticos, renovando sua face
enigmática e louca. A palavra ‘amor’ é derivada do latim -“amore”-, que significa afeição, compaixão
ou satisfação. Falamos em Eros, quando o amor está personificado numa deidade:
Eros, o mais belo dos mortais, deus grego do amor e do desejo, era filho do
Caos - vazio original do universo. Tinha o poder de unir os elementos do caos
ao cosmo, um mundo organizado. Ganhou diferentes versões e Platão o descreveu
como filho de Poro (expediente) e Penia (pobreza), daí que a essência do amor
seja conhecida como essa permanente busca de satisfação. Eros introduz a
dialética do desejo: a concepção de infinitude e de movimento metonímico. Eros
está impregnado de Tânatos, cujo fascínio da morte ronda e delimita suas
fronteiras.
A literatura se constitui como uma
das maiores fontes de expressão do desejo humano, pois tem a possibilidade da
palavra verdadeira, isto é, com estrutura de ficção. O texto se transforma num
produto da trama dialética entre o sujeito e a pólis, torna-se um intricado de signos e
cada leitor vai apreciá-lo com os instrumentos de sua época. Se não, como
apreciaríamos tanto Shakespeare, Cervantes ou Ovídio?
O analista escreve sobre como suporta
a transferência, como aceita os limites do saber e como o saber pode vir a
ocupar o lugar da verdade no discurso analítico. Freud é considerado um dos
melhores escritores de sua época pelo estilo literário para além da transmissão
e formulação de conceitos teóricos. Assim como a literatura, a função do
escrito na psicanálise não é modelada por uma cientificidade ou tecnicismo, mas
tudo o que é escrito, define Lacan no Seminário XX¹, “parte do fato de que será para
sempre impossível escrever como tal a relação sexual. É daí que há um efeito de
discurso que se chama escrita”. Portanto, não é de hoje que poetas e escritores
tecem e remendam em seus escritos, as inquietações dos amantes e o sofrimento
das paixões.
Histórico:
A história do amor romântico, que
conhecemos na atualidade e veiculada pela literatura como eternamente
insatisfeito, se inicia no Reino dos Cátaros em Languedoc – langue=língua doc=documentada — no século XII. Até essa época, a tragédia predominava na civilização
cristã ocidental com o tema do amor impossível. Os cátaros, cultos e refinados
habitantes isolados nas rochas do sul da França, com o conhecimento da língua e
sendo severos críticos da Igreja Católica, que no século XI vivia na luxúria
desmedida, cultuavam o mundo espiritual numa Igreja do Amor a qual pregava a harmonia
entre os seres humanos. Rougemont, em História do Amor Ocidental², afirma terem surgido os trovadores
nessa atmosfera do catarismo para exprimir o amor cortês : o amor que rima com
dor. Além da produção de um novo estilo lingüístico, uma poética e ética
dedicada ao culto da dama, revolucionam a concepção do amor numa retórica do
romance, este originado no mito.
Lacan, em seu Seminário sobre A Ética³, leva em
consideração o amor cortês como a expressão do verdadeiro amor, pois no
exercício poético dos trovadores foi constituído um objeto (feminino)
inacessível. Se na tragédia tratava-se de um amor impossível, no qual o herói trágico era portador de um destino adverso, destrutivo
aos outros e a si mesmo, no amor cortês, a renúncia ao objeto
amado provoca a criação poética no bem dizer da sublimação.
O amor na psicanálise
Uma relação amorosa funda a
psicanálise quando Freud elabora um conceito novo a partir dos motivos da
interrupção do tratamento de Anna O. por Breuer. Conjugando amor e desejo,
Freud concebe a transferência como suporte de um enamoramento idealizado do
analisante pelo analista, em que uma neurose artificial se instala para
subtrair as manifestações sintomáticas e instrumentalizar o acesso ao gozo
recalcado. Nesse inédito laço amoroso, ele deduz, a partir de sua investigação
da fantasia das histéricas, um importante elemento sexual e o complexo de
castração, arcabouço de sua teoria.
Segundo Freud, as escolhas amorosas
se dão como revivência das relações de prazer com os objetos infantis,
experiências de satisfação que formam um molde para o investimento libidinal
futuro.
No decorrer de seus estudos clínicos
sobre o dispositivo da transferência, ele afirma: “Não temos o direito de
contestar que o estado amoroso que faz seu aparecimento no decurso do
tratamento analítico tenha o caráter de um amor genuíno”. Consideração similar faz Lacan no
Seminário XX, quando insiste que só há um modo de operar no discurso analítico:
a via singular do amor. Na introdução do programa do Seminário da Ética, ele
situa três ideais postos para a experiência analítica, sendo o primeiro, o
ideal do amor. Ele formula:
“Por que a análise, que forneceu uma mudança de perspectiva tão
importante sobre o amor, colocando-o no centro da experiência ética, que
forneceu uma denotação original, certamente distinta do modo pelo qual o amor
até então fora situado pelos moralistas e pelos filósofos na economia da
relação inter-humana, por que a análise não foi mais longe no sentido da
investigação daquilo que devemos chamar, propriamente falando, de uma
erótica?”.
Enfrentar a estranheza do gozo com o
recurso do amor de transferência para liberar a verdade do desejo do sujeito,
essa é a proposta lacaniana para o fazer analítico.
E o sujeito, como se comporta no
amor? Seria portador de um transtorno que excede o psiquismo na sua
irracionalidade e passionalidade? No Seminário IX, Lacan(4) anuncia não existir um sujeito do amor como habitualmente falamos em
sujeito do desejo, porque no amor trata-se é de uma ‘vítima’. Ele complementa no Seminário X( 5): “eu te identifico, a ti, a quem falo, a ti mesmo, ao objeto que a ti
mesmo falta, isto é, por esse circuito onde sou obrigado a passar para alcançar
o objeto do meu desejo, cumpro justamente por ele (tu) aquilo que ele procura”.
Em outras palavras, o parceiro tem de cumprir a exigência de se vestir de
objeto no apaixonamento.
Amor na literatura
Roland Barthes(6), em Fragmentos de um Discurso Amoroso, enuncia:
“querer escrever o amor é enfrentar a desordem da linguagem; essa região tumultuada
onde a linguagem é, ao mesmo tempo, demais e demasiadamente pouca, excessiva (pela expansão ilimitada do
eu, pela submersão
emotiva) e pobre (pelos códigos sobre os quais o amor a projeta e a nivela)”.
Tudo isso porque o amor corrompe
regras, anuncia desatinos, somente obedece à fantasia. Enquanto o neurótico se
debate com o recalque de suas fantasias, o escritor é livre para expressar o
gozo e ainda deleitar o leitor mostrando suas exigências pulsionais.
Inês Pedrosa, escritora ficcionista
na nova geração portuguesa, é quem melhor traduz o fenômeno “que é feito estar
doente de uma folia” (Chico Buarque: “O que será”), quando afirma(7) não haver nada mais cruel do que um amor perfeito: “ataca, sobretudo
em horas ou pessoas de plena distração, à revelia dessa confortável invenção
humana a que chamamos razão”. O escritor, assim como o analista, está advertido:
não existe amor sem ódio, pois a própria função do amor é feita dessa
ambigüidade, já que sua essência é a demanda nunca cumprida.
Para investigar esse “polvo
capitalista que foge das melhores intenções” como diz nossa escritora(8) sobre o amor, espécie de ‘catástrofe psicológica’ como exemplifica
Lacan sobre a condição imaginária e narcísica do amor-paixão, será preciso
rever a formulação freudiana de pulsão de morte e compreender que, em muitos
casos, o amor não é suficiente para conter o gozo.
Bauman, sociólogo polonês cuja
produção margeia a filosofia, escreve que a modernidade líquida em que vivemos
gera a fragilidade dos laços humanos – denominados por ele de Amor Líquido (9). Os especialistas em auto-ajuda estão ávidos pela descoberta de novas
fórmulas de convivência que, ao mesmo tempo, não impliquem compromisso! As
relações virtuais ganham força por parecerem mais simples e descartáveis, por
obra da tecla deletar. Bauman adverte sobre a intrincada e complexa conexão
entre amor e morte: ambos são inesperados, imprevistos e atemorizam. Em sua
definição, o amor “significa abrir-se ao destino, a mais sublime de todas as
condições humanas, em que o medo se funde ao regozijo num amálgama irreversív
el”.
Quando se ama ou simplesmente se
escreve sobre o amor, podemos pensar que o mundo fica mais suportável, as
diferenças são expostas, o intolerável e a segregação são revisitados e as
mentiras podem se transformar em lindas ficções. Ovídio, em A arte de amar(10), transmite um ensino sobre a arte da sedução e
coloca as mulheres (ou seja, também para ele, A mulher não existe) como o enigma do jogo do amor: “o
coração das mulheres é muito variável; acharás mil gênios diferentes; emprega,
pois mil modos diferentes para conquistá-las”.
O real posto à prova no amor.
A clínica nos tem revelado um estilo
contemporâneo do amor e aponta para um excesso no laço amoroso. Por que dizemos
que as mulheres estão cada vez mais loucas, se desde Ovídio existiam ‘mil
gênios’ a serem decodificados?
Em “A Instrução dos Amantes”, Pedrosa(11) responde:
“As mulheres fogem dos homens equilibrados como se de uma doença
permanente se tratasse... As mulheres gabam a felicidade alheia com o sorriso
terrível dos deuses a quem todos os sacrifícios são devidos porque muito
sofreram, e buscam em cada homem um pretexto da imolação que conduz à glória. É
por isso que não lhes interessam os poucos homens lúcidos que ainda resistem; a
perspectiva da pura partilha traz um cheiro da anestesia que lhes põe os nervos
em pé, em alerta de loucura”.
Não se trata de um novo tipo de
mulher, mas talvez o enfrentamento com a impossibilidade da relação sexual, em
suas vestes de Tânatos. Nos tempos de hoje, compromisso não rima mais com amor.
Segurança e afeto contínuo viraram sinônimos de dependência e é algo embaraçoso
para a vida contemporânea, porque todo o discurso capitalista é de quebra do
laço social, enaltecendo a imagem autística da autonomia em todos os sentidos.
E os filhos? Também se tornaram
investimentos e precisam dar lucro, ter um futuro de sucesso no mundo
capitalista.
Concluindo
Falar de amor já é, por si só, um
gozo e o analista deve estar advertido de que a demanda de amor do analisante
só deve ser sustentada na paixão de querer saber - a ignorância - sob o risco
de o ódio eclipsar toda a travessia percorrida nos caminhos de cada destino
pulsional. A análise revela o gozo condensado no objeto a e permite o endereçamento do uma
carta de amor a qual vislumbra mais além da mensagem, o que escapa ao sentido.
Quer dizer, quando um sujeito fala, diz mais do que pretende, porque fala com
muito prazer de suas agruras e dissabores. Conhecemos pessoas que são
indissociáveis de suas queixas. Escutar a verdade por detrás dessas queixas é o
dever ético do analista.
Homem ou mulher são posições de
habitar a linguagem. Atualmente, verificamos não ter qualquer relevância quem
assume o papel cultural masculino ou feminino no vínculo amoroso. O laço conjugal
está fundado no desejo de colocar no plano privado o sonho de fazer Um, de cuja
impossibilidade já sabemos, embora todas as terapias de casal tentem soldar
essa falha de estrutura.
Privilegiar a singularidade na
conjugalidade é o único caminho possível para realizar o sonho de parceria,
mesmo com interesses inconscientes, hábitos que restam da infância ou tédio da
mesmice do dia-a-dia. Ir além é suprir com elegância a disparidade entre os
amantes reavivando o amor cortês, que como nos ensina Lacan, elevando a “dama”
à categoria de sujeita, não mais de vítima da relação.
* Trabalho apresentado no VII Encontro Nacional da Escola de Psicanálise
dos Fóruns do Campo Lacaniano. Belo Horizonte, outubro de 20
PSICANALISTA - AME da Escola de Psicanalise dos Foruns do Campo Lacaniano. autora do livro: Psicologia Juridica lugar de palavras ausentes
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