terça-feira, 4 de dezembro de 2012

direito e psicanálise

Psicanálise e Direito Alba Abreu Lima A interface O trabalho mais árduo do psicanalista de nossa época é tentar transmitir os conceitos fundamentais da psicanálise em sua articulação com as outras disciplinas, sem perder de vista a impossibilidade de manejar o discurso analítico fora da clínica. A psicanálise tem participado ativamente dos debates com o Direito, visando a dar um sentido às novas manifestações que se impõem na ordem social, como pais homossexuais, direito à identidade social do transexual, paternidade sócio-afetiva e a visão ética das novas maneiras de reprodução. Desejos inéditos se desvelam na clínica psicanalítica e a família se transforma a partir do discurso, demandando um novo ordenamento jurídico. O psicanalista como operador do Direito faz psicanálise aplicada que, associada ao conhecimento das leis, da sociologia, da antropologia para o diagnóstico da situação apresentada, presta uma maior eficiência em cada caso apresentado, já que no Direito de Família cada caso é ímpar. Além do jurídico – a nova ordem social Constatamos, na atualidade, uma série de modificações na função da paternidade, nas novas formas de filiação e conseqüentemente surgem outras modalidades familiares que se constituem a partir da incidência de alguns fatores: • A eleição de objeto, atualmente está mais norteada pelo amor e desejo do que na imposição social. Inventamos novos conceitos para compreender a união estável, parceria homossexual, etc; • O discurso de igualdade social transformou as relações entre homem e mulher afetando os papéis da família de outrora: um pai pode hoje exercer os cuidados com o filho - “maternagem”- e uma mãe pode decidir o orçamento doméstico, ou seja, a autoridade parental pode ser exercida por qualquer membro que tenha a capacidade de chefiar a família; • A participação da família na educação dos filhos vem sendo delegada à escola, à mídia ou aos profissionais especializados; • Os avanços da genética que reduzem a paternidade ao biologismo, gerando a confusão entre pai simbólico e genitor. O filho, além de lidar com o enigma proposto pelo desejo dos pais ainda tem de elaborar o enigma de sua origem biológica e as questões éticas concernentes. • A maternidade foi atrasada em decorrência da possibilidade de novas técnicas de reprodução e assim, algumas mulheres podem se dedicar à carreira. O perigo reside em considerar os filhos um enfado, pelo fascínio exercido pelo mundo dos negócios em constante mutação. Para a psicanálise, são as relações sociais que permitem o desenvolvimento do sujeito no mundo e sua entrada no mundo de linguagem. O modo como cada um se inscreve na família e na comunidade determina os vínculos que serão ampliados a partir das identificações com os objetos de escolha amorosa. Só que esses objetos nem sempre representam a família nuclear tradicional. O jurídico então, acolhe as novas demandas e tem por dever normatizar os novos hábitos da sociedade, visando regulamentar a vida do cidadão frente ao mal estar da cultura. Hannah Arendt, em Responsabilidade e Julgamento, afirma: “É uma inegável virtude do Judiciário seu dever de focar a atenção no indivíduo, e isso até na era da sociedade de massas, em que todos os indivíduos são tentados a se considerarem um simples dente na engrenagem em alguma espécie de maquinaria – seja a maquinaria bem azeitada de algum imenso empreendimento burocrático, social, político ou profissional, seja o padrão casual mal ajustado e caótico das circunstâncias em que todos de algum modo levamos nossa vida”. O destino da família e o desamparo do mamífero homem O destino da família está proporcionalmente relacionado pelo destino que o sujeito tem em sua família de origem. O ser humano quando reflete sobre o nome destino, cogita um sentimento de que existem forças exteriores que conduzem sua história e que são responsáveis pelos acontecimentos trágicos ou banais da vida. Em psicanálise chamamos destino ao mito individual do neurótico ou romance familiar, construído na relação com o desejo do Outro, isso quer dizer que são as condições com as quais se arranja com a castração e as manobras que executa para se libertar da posição de objeto (O que o Outro quer de mim?) visando sua inserção no mundo social como um sujeito de desejo e conseqüentemente, de direitos. Como de praxe, são os escritores que dizem melhor dessa passagem de objeto capturado no desejo do Outro materno à posição de sujeito. No livro autobiográfico “De amor e trevas”, o escritor Amós Oz descreve o papel do destino do sujeito em sua família: “A hereditariedade e o meio que nos alimenta, assim como a nossa classe social, são como cartas de baralho que nos são distribuídas aleatoriamente, antes do jogo começar. Até á não há nenhuma liberdade de escolha - o mundo dá, e você apenas recebe o que lhe foi dado, sem nenhuma outra opção. Entretanto, a grande pergunta é o que cada um de nós consegue fazer com as cartas recebidas. Pois há os que jogam muito bem com cartas nem tão boas, e há, pelo contrário aqueles que desperdiçam e perdem tudo, mesmo com cartas excepcionais! E esta é toda a nossa liberdade: liberdade de jogar com as cartas que nos foram dadas. Mas mesmo a liberdade de escolher o nosso jogo depende, por ironia, da sorte de cada um, da paciência, da sabedoria, da intuição, do arrojo. Mas essas também não são cartas que nos foram dadas antes do jogo começar, sem nos perguntarem nada? “ Freud apresenta a elaboração do destino que o sujeito dá ao infantil em dois textos de 1908: “Escritores criativos e devaneio” e “Romances familiares”. Ele assegura que os escritores buscam inspiração do mesmo modo e na mesma fonte dos neuróticos do “romance familiar”: no jogo infantil, na brincadeira de inventar uma nova família, uma nova identidade mais interessante e poderosa que a sua própria. Cada romance familiar carrega o enredo de uma trama onde o sujeito simboliza seu encontro com o real. O vazio central tem nome de castração e as modalidades subjetivas são as escolhas que o sujeito faz no confronto com a falta. Nessa trama, o sujeito tece sua fantasia, construção singular que serve de muro contra o gozo e sustenta o desejo. Para Elisabeth Roudinesco, em A família em Desordem: “A família, no sentido freudiano, põe em cena homens, mulheres e crianças que agem inconscientemente como herói trágicos e criminosos. Nascidos condenados, eles se desejam, se dilaceram ou se matam, e não descobrem a redenção senão ao preço de sublimar suas pulsões.” Dizer que o sujeito é trágico não é dizer que tudo está determinado desde antes, mas a rota que ele escolhe para se salvar da ruína pode se tornar seu aniquilamento. O herói grego realiza seu desejo como desejo do Outro e aceita a responsabilidade de avançar até a queda final. A escolha o conduz até às últimas conseqüências: a imolação do herói é necessária para a preservação dos valores da comunidade. Na lógica da psicanálise, desejar é buscar o que se perdeu na operação da castração, o que quer dizer que quando se escolhe a alienação significante, a história geracional, perde-se uma parte do seu próprio ser que é irrecuperável. No drama da passagem para a existência simbólica não há nada senão vida conjugada com morte: essa a dialética freudiana. A separação do objeto materno é vivida como uma morte, desamparo. Freud construiu, a partir das tragédias de Sófocles e Shakeaspeare, metáforas clínicas da existência humana e embora heróica, é como homem comum que ele a efetiva, diz Lacan no Seminário da Ética. A família recobre o desamparo psíquico inerente ao mamífero homem para que ele encontre seu lugar no mundo numa operação que vai muito além da satisfação das necessidades. Vida líquida A sociedade “líquido-moderna”, expressão cunhada por Bauman, exige a lógica do consumismo como desafio para preservar a individualidade numa total inversão das regras: a oferta do mercado é para que o sujeito aceite o novo (seja um celular, carro, coca-zero) em detrimento do conhecido e tido como ultrapassado. Ou seja, o indivíduo, antes responsável por seus méritos e fracassos não pode mais exercer sua livre escolha sob o risco de ficar obsoleto e virar lixo se não aderir à síndrome consumista! A individualidade passou a ser um privilégio da era das celebridades, das edições limitadas, que são seguidas a risca pelo consumidor. Resultado: a alienação ao discurso capitalista produz a homogeneização e o ciclo da permanente insatisfação que por si mesma se torna o motor do consumismo. Mesmo as crianças não estão sendo poupadas, como explica Bauman em “Vida Líquida”: antes vistas como o “futuro do país”, hoje são os “consumidores do amanhã”. As crianças são cada vez mais consultadas quando os pais vão comprar algum bem, pois elas se tornaram especialistas em informação e podem assumir o comando da decisão. Isso pode ser visto nas campanhas publicitárias e a mudança educacional está cada vez mais relacionada ao discurso da eficiência e da competitividade. Conclusão O psicanalista, principalmente aquele que trabalha no jurídico, deve ajustar sua capacidade diagnóstica à singularidade dos casos e das configurações familiares que, paulatinamente, vêm substituindo a norma familiar edípica estruturada a partir da cultura grega e dos valores judaico-cristãos. Cada resposta que o sujeito dá em conformidade com seu desejo deve servir de baliza para o analista realizar seu compromisso com a verdade e interrogar a dimensão ética da demanda do sujeito. A partir da descoberta freudiana do inconsciente só há um responsável: o sujeito – fora do que se coloca como moral, como divino ou regras sociais. O sujeito é responsável pelo seu desejo, pelos seus atos, seus sintomas e suas escolhas. Quando a condição humana se reduz a uns tantos objetos de consumo e à uma busca imaginária da perfeição do corpo, o sintoma pode ser o que de melhor pode aparecer. A clínica é o lugar onde os sintomas revelam a humanização do sujeito – dizer não ao consumo e buscar reatar o laço com os semelhantes.

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