terça-feira, 4 de dezembro de 2012

o destino das famílias

O destino das famílias Alba Abreu Lima O destino das famílias está proporcionalmente relacionado ao destino traçado por cada sujeito em sua família e na cultura. O espaço onde a família se organiza, como transmite seus genes, seus valores, seus bens, sofre conseqüências significativas de acordo com momento histórico em que se esteja. O fato é que, para a psicanálise, é o Outro quem dirige o sujeito na sua entrada no mundo de linguagem. O modo como cada um se inscreve na família e na comunidade é que determina os vínculos e estes, serão ampliados no decorrer da vida, embora tenham como base as identificações aos primeiros objetos de escolha amorosa. O que marca a contemporaneidade são as modificações na função da paternidade, os novos modos de filiação a partir do avanço da ciência e as modalidades familiares que são nomeadas com a invenção de conceitos que considerem no campo afetivo, social e jurídico a união estável, união homoafetiva, parentalidade. Ou seja, indicativos de uma família plural para falarmos de famílias em lugar de “a família”. Nesse sentido é que, desde março deste ano, o Instituto Brasileiro do Direito de Família (IBDFAM) trabalha na produção do anteprojeto do “Estatuto das Famílias” que contempla todas as atualizações jurídicas necessárias para consolidar e garantir os direitos das mais variadas configurações familiares do Brasil. Freud afirma que é na trama familiar que o sujeito tece sua fantasia, construção singular que serve de muro, obstáculo à demanda familiar e sustenta seu desejo. Para Elisabeth Roudinesco, em A família em Desordem: “A família, no sentido freudiano, põe em cena homens, mulheres e crianças que agem inconscientemente como heróis trágicos e criminosos. Nascidos condenados, eles se desejam, se dilaceram ou se matam, e não descobrem a redenção senão ao preço de sublimar suas pulsões”. Em psicanálise chamamos destino ao mito individual do neurótico ou romance familiar, construído na relação com o desejo do Outro, isso quer dizer que, são as condições com as quais o sujeito se arranja com a castração e as manobras que ele executa para se libertar da posição de objeto (O que o Outro quer de mim?) que vão nortear sua inserção no mundo social como sujeito de desejo e, conseqüentemente, de direitos. A família recobre o desamparo psíquico inerente ao mamífero homem para que ele encontre seu lugar no mundo numa operação que vai muito além da satisfação das necessidades. A família como ficção, produzida pelos escritores criativos, retrata a passagem da criança - objeto capturado no desejo do Outro materno - à posição de sujeito, marcado por um destino. No livro autobiográfico “De amor e trevas”, o escritor Amós Oz descreve o papel da família no destino do sujeito: “A hereditariedade e o meio que nos alimenta, assim como a nossa classe social, são como cartas de baralho que nos são distribuídas aleatoriamente, antes do jogo começar. Até aí não há nenhuma liberdade de escolha - o mundo dá, e você apenas recebe o que lhe foi dado, sem nenhuma outra opção. Entretanto, a grande pergunta é o que cada um de nós consegue fazer com as cartas recebidas. Pois há os que jogam muito bem com cartas nem tão boas, e há, pelo contrário aqueles que desperdiçam e perdem tudo, mesmo com cartas excepcionais! E esta é toda a nossa liberdade: liberdade de jogar com as cartas que nos foram dadas. Mas mesmo a liberdade de escolher o nosso jogo depende, por ironia, da sorte de cada um, da paciência, da sabedoria, da intuição, do arrojo. Mas essas também não são cartas que nos foram dadas antes do jogo começar, sem nos perguntarem nada? “ Na lógica da psicanálise, o destino é determinado pela busca do que se perdeu na operação da castração, o que quer dizer que quando se escolhe a alienação significante, a história geracional, perde-se uma parte do seu próprio ser que é irrecuperável. Freud construiu, a partir das tragédias de Sófocles e Shakeaspeare, metáforas clínicas da existência humana e embora heróicas, é como homem comum que ele as efetiva, diz Lacan no Seminário da Ética. Uma análise favorece a emancipação do sujeito de sua impregnação ao discurso familiar. Essa tentativa de ruptura pode ser observada na obra de nosso escritor Francisco Dantas em Coivara da Memória: “Tenho pelejado para me libertar da falsa moral e dos hábitos seculares que me foram legados por essa gente, embutindo na minha cabeça de menino a sabedoria de seus provérbios passados de boca em boca, e que nada mais eram senão engenhos tendenciosos, urdidos para resguardar os graúdos da família, para que eles não se desgarrassem nem perdessem os privilégios, e continuassem a procriar, rezar e engabelar os bestas, sempre voltados para a chama de seus cabedais. Tenho tentado em vão me excluir da ascendência dessa cambada empedernida, empenhada em regular as decisões que tomo em pânico – e contra a qual tenho empregado todo o vigor da minha outra banda arrojada e desunida”. Escolhendo o ponto de vista estrutural, Lacan ultrapassa a teoria familiarista freudiana, para centrar a importância da estrutura do sujeito não apenas em sua cena edípica, mas, sobretudo na lógica do inconsciente e o modo singular de seu gozo. Com isso, podemos analisar os impasses que nos são trazidos na clínica de nossa época. Por exemplo, a sociedade “líquido-moderna” - na expressão de Bauman - exige a lógica do consumismo como desafio para preservar a individualidade numa total inversão das regras: a oferta do mercado é para que o sujeito aceite o novo (seja um celular prada, um citroen pallas, coca-zero) em detrimento do conhecido, já ultrapassado. O indivíduo, antes responsável por seus méritos e fracassos, não pode mais exercer sua livre escolha sob o risco de ficar obsoleto e virar lixo se não aderir à síndrome consumista! A individualidade passou a ser um privilégio da era das celebridades, das edições limitadas, que são seguidas a risca pelo consumidor gerando como resultado a homogeneização e o ciclo da permanente insatisfação, motor do consumismo. Quando a condição humana se reduz a uns tantos objetos de consumo e a uma busca imaginária da perfeição do corpo, o sintoma pode ser o que de melhor pode aparecer. A clínica é o lugar onde os sintomas revelam a humanização do sujeito – seu dizer não ao consumo e a possibilidade no reatamento do laço com o semelhante. O psicanalista tem como dever ético estar sempre conectado ao seu tempo e como Lacan já apontava, elaborar o diagnóstico de acordo com a singularidade dos casos. Se as configurações familiares vêm desafiando a norma familiar freudiana, a resposta que o sujeito dá em conformidade com seu desejo não deve deixar de servir ao analista em seu compromisso com a verdade para interrogar a dimensão ética das demandas dos sujeitos. Bibliografia: ARIÉS, P. (1981). História social da criança e da família (D. Flaksman, trad.). Rio de Janeiro: Zahar. BAUMAN, Zygmund. Vida líquida. Rio de Janeiro: Zahar Ed., 2007 ________ Comunidade: a busca por segurança no mundo atual. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2003 FREUD, Sigmund - Obras Completas. RJ: Imago, 1977. LACAN, Jacques - Seminário 7: A ética da psicanálise. RJ: Zahar, 1988. ______Seminário 11: Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. RJ: Zahar, 1979. _____ Os complexos familiares. (M. A. Coutinho Jorge & P. M. da Silveira Júnior, trad.). Rio de Janeiro: Zahar. ROUDINESCO, E. (2003). A família em desordem. (R. Aguiar, trad.). Rio de Janeiro: Zahar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário