terça-feira, 4 de dezembro de 2012

saber fazer com o corpo

Dança e psicanálise: saber fazer com o corpo Alba Abreu Lima CORPO NA PSICANÁLISE Para a medicina o corpo é primário, para a psicanálise é secundário porque só passa a existir pela en-corporação significante ( Lacan, Psicanálise e Medicina, 1966). No Seminário II, Lacan diz que o homem tem um corpo (pg 97) e no Seminário XXIII, ele complementa: “o homem tem um corpo; ele não é um corpo. O corpo lhe é estranho”. Para ter um corpo e considerá-lo como corpo próprio, o sujeito se aliena à imagem narcísica que o Outro lhe sustenta. Desde a 1ª infância o sujeito do inconsciente responde ao investimento significante do Outro (a série sempre vem do Outro) com aceitação ou recusa, tentando fabricar significados num texto que não se esgota. O corpo sustenta não apenas o domínio imaginário da aventura original do estádio do espelho, mas experiências enigmáticas do gozo que vão se agregando, fixando, libidinizando e delineando o deserto de gozo em bordas. No Seminário X, Lacan aborda o objeto a brincando com a homofonia: “ce qu’ on n’ a plus” (algo que já se teve), porque não se pode falar do objeto a não ser como pura escritura. A pista que ele aponta como vestígio das “ruínas metonímicas do objeto” (Seminário V, pg 43) são os objetos oral, anal, escópico ou invocante, que aparecem na fantasia do neurótico. A fantasia e a pulsão são tentativas de recuperação do gozo perdido e o único modo de evocar a perda é nomeando pulsionalmente esses objetos condensadores de gozo. Por isso que o analista não interpreta o gozo, mas a insatisfação inerente à estrutura do sujeito do desejo. Foi por causa da fantasia das histéricas que tomavam a forma da demanda ($^D) que Freud pode escutar a ressonância do significante e que esburacava o corpo na complacência somática pelos efeitos de alíngua (mal entendidos da língua materna). O gozo pulsional recalcado, metaforizado, está subjacente à afecção corporal, seja na histérica ou no obsessivo, o corpo é sensível ao dizer: Rute é bailarina desde os 6 anos de idade e aos 20 procura um analista com a queixa de que não consegue mais sustentar o corpo. No decorrer da análise aparece a bulimia, a anorexia, tentativas de suicídio e vários tratamentos sem sucesso. Considera-se uma “desalojada” e sem lugar. Na infância foi deixada em segundo plano e com uma mãe frágil e pai ausente, ficou a mercê de uma avó severa que preferia sua irmã mais velha. Jogava no corpo qualquer infelicidade e comia nada para não ter de digerir o olhar vigilante e ofensivo da família. Arruma sempre namorados-encrenca como forma de escudo afetivo. Volta a dançar após dois anos de análise, mas não “reconhece seu corpo”. Homem de ferro procura a análise porque há 3 anos a mulher fez uma histerectomia e a partir daí emagrece, perde as forças, até ser detectada uma diabete. O medo de perder as pernas não lhe deixa tocar os pés no chão. O ritual é o de contar passos para escapar da impressão da neuropatia diabética (sintomas da neuropatia diabética são formigamento ou dormência nos pés, pernas, braços ou mãos. Conforme o dano ao nervo vai se agravando, a neuropatia pode prejudicar a comunicação entre o cérebro e os músculos e órgãos, causando dores que enfraquecem o corpo, o que no final pode levar à perda da sensibilidade naquela região. A neuropatia não causa apenas novos problemas de saúde, ela também agrava as complicações já existentes e pode até interferir na vida sexual). O Homem de ferro, sempre potente e poderoso, adolescente mandão, briguento tem medo dessa nova vida sem poder proteger a família, sem poder exercer a força física, suas façanhas em relação ao outro sexo... se transforma numa cabeça que não dá tréguas: pensa nas evitações que tem de fazer durante o dia para não pisar no chão até ter dor de cabeça e insônia. O corpo silencia com o barulho que a cabeça faz. Os neuróticos sempre apresentam na clínica a ameaça de serem reduzidos a um objeto pulsional como uma recordação simbólica do déficit em que eles se posicionam com relação ao gozo. O problema é que o neurótico sempre atribui essa deficiência ao Outro: família, chefe, sociedade... Daí a tese de Lacan no Seminário XI de que a fantasia do neurótico se reduz à pulsão, pois recebendo as palavras estruturadas nos mecanismos de condensação e deslocamento advindas do Outro, recebe também seus ideais – o S1 esculpe o corpo com a marca da castração. CORPO, ARTE E PSICANÁLISE Lacan, no Seminário XXIII afirma que Joyce rompe com o sentido para talhar os pedaços de alíngua que a ele se impuseram. Ou seja, ele articula o real no simbólico (fala e escrita) num texto despido de significações e com isso fabrica um corpo, não um corpo civilizado e apaziguado pela palavra como o corpo do neurótico, mas de uma consistência que suporta o conjunto RSI, mantendo a coesão.

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